As divergências no cálculo do PRL entre a Lei 9.430/96 e a IN SRF 243/02
Introdução
É notável e facilmente identificável, as diferenças existentes entre as determinações da Lei 9.430/96, alterada pelo artigo 2º da Lei 9.959/00 e as normas determinadas pela IN SRF 243/02, ambas aplicadas no cálculo do método do Preço de Revenda menos Lucro – PRL para determinação do Preço Parâmetro, assim considerado o preço limite para dedutibilidade dos custos relativos aos bens adquiridos de pessoas vinculadas localizadas no exterior.
O tema é complexo, as diferenças variam desde a simplicidade da fórmula matemática definida literalmente no texto da Lei que não se compara ao texto da IN, passando pela racionalidade do método no contexto da fórmula e seus objetivos, recheado pela idealização da lógica de cálculo da IN sem se considerar a lógica da Lei, analisa-se em geral o real objetivo da IN e não se conclui satisfatoriamente sobre o real objetivo da Lei chegando ao ponto de o objetivo da Lei ser subvertido pela IN que passou a exigir uma margem tão excessiva e impossível de ser alcançada.
A complexidade do tema cria situações embaraçosas e conflitantes que vão desde simples declarações de autoridades fiscais nas palavras do procurador-chefe da Fazenda Nacional no CARF Sr. Paulo Riscado em entrevista publicada no Jornal Valor Econômico como: “a IN não fala nada de diferente do que diz a Lei”, ao mesmo tempo ele afirma que “Os textos são até diferentes…”, e por fim declara: “…a IN segue a legislação na sua finalidade…”, passando pela Exposição de Motivos da Medida Provisória 478/09 que justificou a necessidade de uma Medida Provisória para instituir, em dispositivo legal, medidas que constavam apenas de atos normativos e o fez trazendo a redação da IN SRF 243/02 para o texto da referida Medida Provisória – MP, desta vez com margem de 35%, muito inferior a margem determinada na Lei e na IN de 60%. A referida MP não foi convertida em Lei.
Essa mesma complexidade que nos referimos, levou a dois julgados antagônicos e opostos do Tribunal Regional Federal da 3ª região, cujo primeiro resultado, demonstrado com uma grande profundidade de análise no Relatório do Relator, concluiu pela ilegalidade da IN e, mais recentemente, um novo julgado com um Relatório do Relator bem simples e objetivo, sem demonstrar grande profundidade nas análises no seu texto final, concluiu pela legalidade da IN.
A diferença entre as fórmulas da Lei e da IN expõem valores bem maiores que os efeitos danosos que uma simples IN, com o objetivo de interpretar a Lei, e como mencionado pelo Exmo. Sr. Juiz Federal Rubens Calixto, “…vez que sendo a lei uma norma abstrata, o ato administrativo veio apenas regulamentá-la, conferindo-lhe concretude.”, poderia causar.
Um desses valores expostos pela IN SRF 243/02, é a insegurança que as pessoas passarão a se submeter caso os tributos passem a ser aumentados por atos normativos.
O presente trabalho foi realizado com base nos efeitos causados pela aplicação literal das fórmulas de cálculo do PRL para bens importados destinados à produção de outros bens, de acordo com a redação dada pela IN SRF 243/02 e pela Lei 9.430/96, alterada pelo artigo 2º da Lei 9.959/00, calculados sobre uma mesma base de dados com a evolução no tempo do valor agregado no país, considerando uma margem de rentabilidade bruta igual para todo o período da análise.
O objetivo desse trabalho foi demonstrar o comportamento dos ajustes no lucro tributável pelo Imposto sobre a Renda e na base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, a racionalidade econômica da aplicação da Lei e sua diferença em relação a racionalidade econômica da IN, os objetivos da Lei e da IN, o ponto de equilíbrio alcançado na Lei e na IN, as variáveis econômicas de ambos os textos. Ao final, apresento uma demonstração das margens de lucro obtidas em uma pesquisa de margens realizadas com dados públicos de empresas que publicam seus balaços em jornais e os disponibilizam para os investidores na Comissão de Valores Mobiliários – CVM e instituições semelhantes de outros países.
Não faz parte do presente trabalho, mas não posse deixar de registrar que a legislação brasileira de preços de transferência é impar no mundo, é a única que impõe um sistema de arbitramento que não se utiliza de margens de mercado independente e exige um arbitramento com base em margens determinadas por Lei, sem mecanismos que permitam uma comparação adequada a realidade das operações no mercado independente e por essa razão a torna obsoleta, arcaica e completamente em desacordo com o sofisticado e complexo sistema tributário brasileiro.
Dados submetidos à análise
Consideramos, para maior concretude das análises, os dados fictícios de uma operação que se desenvolve ao longo de um período de vários anos, para simular as operações de uma empresa que chega para operar seus negócios no Brasil e ao longo dos anos transfere seus processos produtivos para cá, aumentando o valor agregado ao produto no país, gerando mais empregos e riquezas, criando maior dinamismo para a economia local.
Na empresa analisada partimos de uma condição de Receita Líquida das Vendas, já diminuída dos descontos incondicionais, dos tributos sobre as vendas e das comissões e corretagens pagas. Consideramos uma margem de rentabilidade bruta uniforme ao longo dos anos de 20%, o que não é muito diferente da média das margens encontradas na pesquisa que fizemos com empresas públicas que realizam operações independentes.
Os dados analisados foram:
Observa-se nos dados analisados que, ao longo dos anos a quantidade de produtos importados de pessoas vinculadas diminui na mesma proporção que aumenta a aplicação de produtos locais na forma de acréscimos do valor agregado no país.
Cálculo do PRL de acordo com a fórmula definida na Lei 9.430/96 alterada pela Lei 9.959/00
A fórmula de cálculo do PRL para bens importados para serem aplicados na produção é determinada no artigo 18, II, 1, como segue:
(…)
II – Método do Preço de Revenda menos Lucro – PRL: definido como a média aritmética dos preços de revenda dos bens ou direitos, diminuídos
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) da margem de lucro de:
1. sessenta por cento, calculada sobre o preço de revenda após deduzidos os valores referidos nas alíneas anteriores e do valor agregado no país, na hipótese de bens importados aplicados à produção;
2. (…)
Da literalidade do texto da Lei reproduzido acima, temos a seguinte fórmula:PRL = PR – (a+b+c+d)
d = 60% * PR – (a+b+c+Valor Agregado no País)
Onde:
R = Preço de Revenda dos bens ou direitos;
a) Descontos incondicionais;
b) Impostos e contribuições sobre as vendas;
c) Comissões e corretagens pagas;
d) Margem de lucro calculada de acordo com a fórmula acima.
Aplicando-se a fórmula determinada pela Lei sobre os dados da nossa empresa modelo, teremos os seguintes resultados:
A análise dos resultados da aplicação da lei sobre uma tabela de resultados torna-se umatarefa complexa e difícil. Por mais que os números estão calculados corretamente e em ordem, é muito difícil visualizar a evolução dos resultados e concluir sobre os objetivos e tendências que eles procuram informar.
Para facilitar as análises, elaboramos um gráfico a partir dos resultados apurados com a aplicação da fórmula da Lei, como segue:
Agora temos uma visão melhor dos efeitos ao longo dos anos e podemos exercitar nossas análises.
A primeira análise mostra que a fórmula da Lei é baseada na evolução de uma variável chamada de Valor Agregado no País que causa impacto na margem efetiva requerida pela Lei e no valor do ajuste no lucro tributável.
Quanto mais cresce o valor agregado menor é a margem exigida pela Lei e menor é o ajuste no lucro tributável.
Podemos observar, que quando o valor agregado no país alcança o percentual de aproximadamente 35% do custo total de produção, não haverá ajuste no lucro tributável.
Observamos que as empresas que realizam suas operações no Brasil com baixo valor agregado tem uma exigência de realizar uma margem de rentabilidade bruta maior ou ser penalizada com ajustes no lucro tributável.
A fórmula da Lei, seja por determinação científica ou por casualidade, beneficia aquelas empresas que se utilizam de maior valor agregado no país, concedendo nítida vantagem com a exigência de uma margem de rentabilidade bruta menor, na medida que o valor agregado no país cresce.
Portanto, a fundamentação econômica, a lógica econômica, a racionalidade da Lei está em motivar as empresas a aumentarem os valores agregados no país nos seus processos industriais, gerando emprego e riqueza no Brasil, e não é por acaso que observamos um grande crescimento econômico nos últimos anos. Também não podemos atribuir o crescimento dos últimos anos apenas a legislação de preços de transferência, mas certamente ela deu uma contribuição real.
Portanto, não parece correto dizer que a fórmula da Lei não tem uma racionalidade, uma fundamentação econômica ou uma lógica econômica, ao contrário, esses elementos estão bem desenvolvidos e claros na fórmula de cálculo do PRL prevista na Lei e estão bem em linha com a crise que o país vivia na época em que a Lei foi publicada e são perfeitamente atuais no mundo de economia competitiva que vivemos.
Quanto as margens de rentabilidade pesquisada nas empresas independentes que publicam seus balanços, o percentual de 20% considerados nas nossas análises está bem de acordo com a média de mercado, conforme podemos evidenciar a seguir:
Podemos notar que as margens foram pesquisadas em diferentes mercados, comparando as margens das empresas brasileiras com as margens de empresas que operam nos países emergentes e com as margens das empresas que operam nos países signatários da Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico – OCDE, que considera as economias mais desenvolvidas do mundo. Se nos concentramos na média de rentabilidade das empresas que operam nos países em desenvolvimento encontramos 20%, no Brasil encontramos 23%, em relação ao ano de 2007.
Cálculo do PRL de acordo com a fórmula definida na IN SRF 243/02
A fórmula de cálculo do PRL para bens importados para serem aplicados na produção é determinada no artigo 12, IV, b, § 11 como segue:
PRL = PLVp – Margem
PLVp = PLV * PCI
PLV = PR – (a+b+c)
Margem = 60% * PLVp
PCI = PI/CPV
PRL = Preço de Revenda menos Lucro
PVLp = Preço Líquido de Venda proporcional
PLV = Preço Líquido de Venda
PCI = Participação do Preço do bem ou direito importado de pessoa vinculada no Custo do Produto Vendido
PR = Preço de Revenda
a – Descontos incondicionais
b – Impostos e contribuições sobre as vendas
c – Comissões e corretagens pagas
Margem = Margem de Lucro determinada de acordo com a IN
PI = Preço do bem ou direito importado de pessoa vinculada
CPV = Custo do Produto Vendido
Aplicando-se a fórmula determinada pela IN SRF 243/02 sobre os dados da nossa empresa modelo, teremos os seguintes resultados:
Mais uma vez consideramos que a análise dos resultados da aplicação da fórmula da IN sobre uma tabela de resultados torna estão calculados corretamente e em ordem, é muito difícil visualizar a evolução dos resultados e concluir sobre os objetivos e tendências que eles procuram informar.
Para facilitar as análises, elaboramos um gráfico a partir dos resultados apurados com a aplicação da fórmula da IN SRF, como segue:
No gráfico acima, observamos que a margem requerida pela Lei é uniforme no tempo, imutável e invariável em relação as empresas que aumentam o valor agregado no país gerando riqueza e empregos.
O mesmo comportamento tem o ajuste no lucro tributável, se mantêm coeso, uniforme e imutável ao longo dos anos que a empresa está se esforçando para trazer mais benefícios para o país com a agregação de valor no Brasil e a geração de novos postos de trabalho.
Observamos que a fórmula da IN causa um efeito oposto ao causado pela fórmula da Lei, enquanto que a Lei motiva as empresas a desenvolverem suas atividades no país, concedendo o benefício de reduzir a exigência de tributação adicional pela comparação de preços com margens arbitradas e fora de alcance das empresas, a IN em direção oposta exige um margem de rentabilidade bruta arbitrada sem qualquer justificativa cientifica aparente, desmotivando as empresas a trazer suas operações para o mercado doméstico.
Como podemos observar, a margem calculada de acordo com a metodologia e fórmula de cálculo da IN é completamente diferente da fórmula determinada na Lei. Além disso, a margem de 60% que é exigida pela IN SRF está muito além da margem efetiva exigida pela Lei e bem distante das margens realizadas pelas empresas independentes que publicam seus balanços.
Os mecanismos existentes para pedido de redução das margens para as margens reais de mercado independente,são ineficientes e ineficazes, de forma que até a presente data nenhuma empresa conseguir ver seu pleito atendido pela Receita Federal do Brasil – RFB.
Naturalmente, que a fórmula determinada pela IN SRF aumenta os tributos sobre os lucros (IRPJ e CSLL), sem previsão de Lei, o que a torna ilegal e em desacordo com a Constituição Federal e com o Código Tributário Nacional.
Conclusão
Em resumo, preparei um gráfico que acredito demonstra com clareza as diferenças e as evoluções dos ajustes no lucro tributável com a aplicação das diferentes fórmulas de cálculos do PRL, comparando as evoluções dos ajustes em razão da aplicação da IN SRF e da Lei, na medida que o valor agregado ao produto aumenta no País. Os efeitos podem ser observados como segue:
Como conclusão podemos considerar o que diz os gráficos definidos com base na aplicação das fórmulas sobre o nosso exemplo, considerando a evolução do valor agregado:
1 – De acordo com a fórmula da Lei, na medida que o valor agregado no país cresce o valor do PRL aumenta e diminuir o ajuste no lucro tributável;
2 – O ponto de equilíbrio da Lei ocorre com valor agregado acima de aproximadamente 35% com margem de rentabilidade bruta de 20% que é bem adequada para a realidade de mercado, segundo nossa pesquisa com base nas informações dos balanços publicados pelas empresas;
3 – O ajuste no lucro tributável apurado de acordo com a fórmula da IN é uniforme e imutável no tempo mesmo que a empresa aumente no Brasil o valor agregado ao seu produto acabado;
4 – O ajuste no lucro tributável calculado de acordo com a fórmula da IN SRF corresponde a 50% do valor do produto importado;
5 – A margem de rentabilidade bruta exigida de acordo com a fórmula de cálculo da IN não foi alcançada na média pelas empresas mais rentáveis no período pesquisa, o que demonstra o quanto é irreal o lucro arbitrado de acordo com a IN;
6 – A RFB não foi bem sucedida na tentativa de transformar a redação da IN SRF 243/02 em Lei e com um percentual bem inferior ao praticado pela referida IN;
7 – O notável aumento das bases de cálculos dos tributos sobre os lucros criado pela IN sem previsão em Lei, torna a referida IN SRF ilegal e em desacordo com CTN e com a Constituição Federal; 8 – Decisões judiciais dando mérito para uma IN ilegal causa uma insegurança e ameaça as empresas com valores exagerados de cobranças indevidas e completamente fora da realidade das empresas em qualquer país.
Fonte: Site Fiscosoft